Se as crianças têm um ponto forte, é aprender tudo o que as rodeia e o racismo não é excepção. Acredito que ninguém nasce racista! Um racista faz-se, aprende no meio que o rodeia e, infelizmente, pode até florescer, dadas as circunstâncias (menos que) ideais, como podemos ver nalgumas ideologias políticas a ganhar força pela Europa e não só.
O meu marido contava-me uma anedota, há pouco tempo, sobre um pai que tentava ensinar ao filho a palavra mamã. O senhor, constantemente ao ver uma fotografia ou a mamã, perguntava e respondia:
– Quem é? É a Mamã.
Finalmente, o bebé falou e disse, olhando para a mãe:
-Quem é!
Penso que é uma história verídica e que prova que as crianças aprendem tudo, mas de forma diferente do esperado. Por isso, surgem as gafes quando dizem coisas estranhas que ouviram sobre o primo sovina, o avô refilão ou a tia maluca.
Com o racismo é igual! Se em casa, as atitudes dos pais, mesmo que de forma inconsciente, apresentarem uma atitude negativa perante os outros, é normal que se aprenda…
O conceito de diferença e igualdade tem modificado muito nas últimas décadas e é normal que algumas pessoas ainda não tenham conseguido apreender o conceito do: Todos Diferentes, Todos Iguais.
Eu não sou perita em racismo. Cresci num meio branco, onde as únicas crianças que não eram brancas eram de etnia cigana. E dávamo-nos todos bem! Havia respeito e amizade.
Tive a sorte de, em casa, não ter pais nem família, em geral, racista e, por isso, os meus olhos nunca se turvaram. Ao estudar história, a única coisa que ganhei foi empatia. Com o estudo da história da colonização, dos Estados Unidos, da segregação racial, percebo como é dolorosa a história para quem foi, durante tantos anos, fustigado por um sistema que permite o tratamento desigual.
Podemos argumentar que muito mudou. Imagino que sim! No entanto, a mentalidade demora séculos a mudar e, se não for feito um esforço, nada muda ou muda muito pouco.
Quando viemos para Lisboa, houve um choque cultural. Não em relação a negros, pois onde vivia e como professora e ao estudar no estrangeiro e receber alunos estrangeiros, fui crescendo e aprendendo com a diferença. Tive alunos muçulmanos, africanos, polacos, portugueses e, se há algo que os une, são as festas universitárias! Não há nada mais democrático que uma festa universitária e aprenderam muito mais português aí do que eu lhes conseguia ensinar numa hora semanal!
Tive amigas que, em Erasmus, mesmo brancas, só que num tom mais árabe, foram maltratadas em pleno Campus… A minha teoria é que a parvoíce é mundial! Voltando a Lisboa… Foi aqui que aprendi o célebre:
– Não sou racista, mas…
- aquele motorista (negro) é o pior de todos
- aquelas pretas (coloquem à frente uma data de coisas estranhas)
- tem cuidado com a carteira no comboio
- há noite, todo o cuidado é pouco.
Em 6 anos de Lisboa, nunca fui assaltada e saio muitas vezes sozinha, inclusive de noite (não até tarde, porque à meia-noite me transformo numa abóbora). Os meus filhos tiveram e têm o privilégio de brincar, estudar, sair, aprender com crianças de todas as culturas e nacionalidades.
As pessoas mais simpáticas no transporte público não têm cor nem género! As pessoas mais simpáticas no atendimento não têm cor nem género!
Os profissionais mais simpáticos não têm cor nem género!
Os amigos não têm cor nem género!
Já tive desilusões amorosas, de amizade e de negócios e não tinham cor nem género!
Gostaria de aconselhar dois livros em especial sobre racismo e alguns filmes para nos fazer refletir. O primeiro de Tahar Ben Jelloun, Racism Explained to My Daughter, em português, O Racismo Explicado aos Jovens (penso eu) e As Serviçais. Há milhares de outros! Estes tocaram-me de forma especial.
Em termos de filmes, já viram:
Selma (deu ontem na SIC)
América Proibida?
A Vida Secreta das Abelhas?
Gran Torino?
Elementos Secretos?
A Cor Púrpura?
12 Anos Escravo?
Tempo de Matar?
Há muitos, muitos mais… É só procurar. Mas mais do que ler ou ver filmes, há que procurar como podemos parar o racismo no dia a dia. Aquele colega que recebe um ordenado menor, sem razão aparente, aquele jovem que é maltratado no supermercado, aquela senhora que é convidada a sair do autocarro, porque a filha se esqueceu do passe são alguns dos casos em que podemos tentar intervir.
Convidar todos os colegas da turma dos filhos para a festa de anos (pelo menos até ao quarto ano), convidar os amigos dos filhos a virem a nossa casa, sentar no primeiro lugar livre do autocarro (pós-covid), sem olhar a quem se senta ao lado (pode parecer estranho, mas já vi casos muito estranhos nos transportes públicos, por cá) podem ser bons exemplos para os nossos filhos!
E claro, ter muito cuidado com o que dizemos. As crianças absorvem tudo o que as rodeia e convém, para um futuro melhor, que todos percebam que não é o tom da pele que conta mas o que está por trás da pele: o coração!
Se lerem A Célula Adormecida verão uma nova abordagem ao racismo e da necessidade de o evitar!